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A Presunção da Inocência

A presunção da inocência

“Tout homme étant présumé innocent,…”

“THE HUNT” (A Caça)

“The hunt” é um filme dinamarquês dirigido por Thomas Vinterberg, cujo enredo conta a história de Lucas, um professor do ensino fundamental que tenta conciliar as relações conflitantes com sua ex mulher, a distância do filho e a adaptação a essa “nova vida” de solteiro de cidade do interior.
Lucas é um professor da escola primária da pequena cidade onde mora e tem um afeto muito grande por todas as crianças as quais sempre o rodeiam e brincam incansavelmente. Em especial cita-se a pequena Klara, 5 anos, filha do melhor amigo de Lucas, que demonstra um carinho fora do normal por Lucas. Sempre que pode vai até a casa do professor para brincar com a cachorrinha, conversar e sempre o espera para irem a escola juntos, bem como voltam para casa juntos.
Acredito que Lucas tenta consolar a falta que sente do filho pelo afeto e atenção que direciona às crianças. A história se desenrola mostrando os costumes da vida pacata dos moradores e de quem está presente ao cotidiano de Lucas até que o foco gira em torno da apreciação, se não dizer, paixão repentina que Klara desenvolve por Lucas. A garotinha tende a estar como uma sombra, sempre perto de Lucas, entregando corações e cartinhas até que em uma brincadeira ela acaba beijando-o na boca.
Lucas sente-se desconfortável e explica à ela que “não se deve sair beijando as pessoas”, e consequentemente a admiração e o carinho o qual sentia por Lucas desaparece de Klara e dão lugar ao “ódio/raiva/rancor” (se é que podemos dizer que uma criança de 5 anos desenvolve tais sentimentos).
Diante da resposta negativa por parte de Lucas frente ao afeto disposto por Klara, a garotinha então finaliza a aula sentada no canto escuro da sala até que uma das professoras já no horário de saída a vê e pergunta o que ela faz ali. É então que Klara responde e conta uma história fictícia de que Lucas mostrou seu pênis ereto a ela, configurando portanto abuso sexual em face de menor de idade/infante.
A partir dai a vida de Lucas transforma-se em um verdadeiro martírio, os boatos, acusações e fofocas espalham-se pela cidade, inclusive à escola, chegando até seu filho e sua ex mulher.
Há de se ressaltar ante a tudo que Klara é uma garotinha de 5 anos, mas não detém a “criação mais adequada”, seu pai sempre está aos bares e caçadas com os amigos (não chega a ser alcoólico mas há a presença de uma cena em que está extremamente alcoolizado e quem o ajuda a chegar em casa é Lucas), bem como as brigas de seus pais são de certa forma constantes e a garotinha sempre que pode foge dessa realidade, sem falar É CLARO da cena principal, Klara tem um irmão mais velho e há uma cena em que ele aparece com um colega em casa vendo pornografia e o conteúdo é mostrado a Klara como forma de deboche.

O que extrai-se de principal da cena é que sucede a cena em que Klara e Lucas “brigam”, portanto presume-se que Klara relaciona todos os recentes acontecimentos e fatos e prende-se a essa realidade fantasiosa de se “vingar” de Lucas por tê-la magoado.
Lucas é acusado de pedofilia e abuso sexual em face de Klara e a maneira com que os fatos se desenrolam no decorrer do filme é absurdo. É levado em consideração apenas a história relatada por Klara, sem se quer dar-se ouvidos à Lucas, que por diversas vezes busca esclarecer a história, conversar com os pais bem como com Klara propriamente dita para entender todo o acontecido.
Klara é submetida a conversas com psicólogos e avaliações, as quais são conduzidas com o intuito de afirmar o abuso, bem como faze-la “relembrar” o fato.

Entretanto, no decorrer de todo estudo e andamento da “investigação” Klara assume ter contado uma mentira, pois estava chateada com Lucas mas que se quer é ouvida pois todos afirmam se tratar um “sintoma” do trauma sofrido, que a garotinha está em “estado de negação” diante do que aconteceu.
Enquanto isso Lucas é alvo de piadas, acusações, e privado de realizar atividades cotidianas, tais quais compras rotineiras etc. Lucas chega até a ser preso mas é solto logo em seguida.
O fato é que, não há efetivamente um devido processo penal presente no filme, mas pauta-se nas acusações moralistas e particulares dos moradores que tendem a prevalecer o lado de Klara, acusando Lucas sem ao menos dar-lhe o direito “de resposta”, ou ainda prevalecer sua inocência diante de relatos de uma criança.
Em suma, Lucas passa sendo acusado durante todo o filme e ao final, quando tudo “em tese” volta ao normal e Lucas consegue convence-los de que não abusou da pequena Klara, durante uma caçada Lucas quase leva um tiro de alguém à mata. O que fica evidenciado é que ainda haviam acusações de que Lucas era um pedófilo, de que havia abusado de Klara e não tinha provado completamente sua inocência.
Ora, vamos a análise portanto. O filme é muito claro e demonstra a noção e efetivação do princípio que conhecemos como “principio da presunção da inocência”, cujo detém força CONSTITUCIONAL, ou seja, CLÁUSULA PÉTREA, detentor de força e superioridade diante de todas as demais legislações pois encontra-se acostado LEI SUPREMA/CF de 88:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

O principio da presunção da inocência tem sido alvo de diversas discussões recentemente do Brasil, pois em julgamento de um Habeas Corpus o STF determinou que aproximadamente um terço dos condenados, provavelmente inocentes, iriam cumprir pena indevidamente tendo base as estatísticas relativas a reformas pelos Tribunais Superiores, ou seja, foi aprovada a “culpabilidade” de quem não detenha ainda sentença penal condenatória.

Nas palavras de Cezar Roberto Bittencourt e Vania Barbosa Adorno Bitencourt:

“Ontem o STF rasgou a Constituição Federal e jogou no lixo os direitos assegurados de todo cidadão brasileiro que responde a um processo criminal […]”

O Autor ainda expõe o fato de que a competência para ser guardião da Constituição não dá direito ao STF de legislar e julgar como “bem entende”, como tem feito nos últimos anos.

“O Supremo Tribunal Federal orgulha-se de ser o guardião da Constituição Federal, e tem sido prestigiado pelo ordenamento jurídico brasileiro que lhe atribui essa missão.

Mas o fato de ser o guardião de nossa Carta Magna não lhe atribui a sua titularidade. Isto é, o STF não é o dono da Constituição e tampouco tem o direito de reescrevê-la a seu bel prazer como vem fazendo nos últimos anos, com suas interpretações contraditórias, equivocadas e, especialmente, contraria o que vinha afirmando nos últimos 25 anos.

Escreve a pagina mais negra de sua história. Essa postura autoritária que vem assumindo ultimamente, como órgão plenipotenciário, não o transforma em uma Instituição mais identificada com a sociedade. Pelo contrário, cria enorme insegurança jurídica, agride o bom senso, fere os bons sentimentos democráticos e republicanos e gera insustentável insegurança jurídica na sociedade brasileira; as garantias constitucionais são flagrantemente desrespeitadas, vilipendiadas, reinterpretadas e até negadas, como ocorreu no julgamento do HC 126292 .”

José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, presidente do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil dispôs:

“A ausência de espírito público e a avassaladora crise de legitimidade dos Poderes Executivo e Legislativo não autorizam o Poder Judiciário, numa semana, reinterpretar o comando constitucional para determinar a prisão antes do trânsito em julgado (…). A história está farta de episódios demonstrando que não se combatem excessos com restrição à liberdade”

O princípio da presunção da inocência é ferramenta fundamental no devido processo penal vez que é ele quem rege todo o ordenamento penal, tendo inclusive servido de origem para outros princípios sobre a mesma lógica, se não, “indubio pro réu”, onde na dúvida absolve-se o réu, sem ter a possibilidade de condena-lo indevidamente.
A partir do momento em que se tem uma acusação, uma denúncia por parte do Ministério Público que busca incansavelmente apontar um culpado para algum fato ilícito cometido é que devemos pô-lo em prática.
Cezar R. Bittencourt, no mesmo artigo onde expressa tamanha indignação perante a decisão proferida pelo STF acosta os índices e estatísticas apresentados pelo Ministro Barroso a fim de fundamentar tal decisão e aponta uma série de erros e incontingências, mas que também há pressupostos positivos pois a presunção da inocência tem beneficiado certa parcela da população alvo de processos criminais, vejamos:

“Na verdade, além do bom direito (a constitucionalidade do artigo 283 do CPP), também os números podem estar a favor da manutenção da presunção da inocência, perspectiva assumida em 2009 pelo STF. As estatísticas relativas aos HCs comprovam, cabalmente, que a expressiva maioria dos atingidos não são os ricos, mas, sim, os pobres, o que se pode ver pelo expressivo contingente de processos que envolve a Defensoria Pública.
Outro dado importante dá conta de que os números levantados pelo PGR não “batem” com os apresentados pelo ministro Roberto Barroso. Caso ambos estejam certos, exsurgem variáveis. Se tão poucos recursos e/ou pedidos de liberdade são deferidos pela Suprema Corte, então temos dois problemas: ou estão sendo extremamente mal manejados ou a Suprema Corte é demasiadamente rigorosa. Ou, ainda, o RE é um fracasso. Ou, ainda, no limite, em sendo corretos os números trazidos pelo ministro Barroso: para que ter uma Suprema Corte, se durante sete anos houve apenas nove absolvições? A questão da presunção de inocência pode ser reduzida à verificação dos números decorrentes de absolvições? Eis o busílis.
Ainda, releva registrar que o STF, em recente julgamento, reconheceu o estado de coisas inconstitucional (ADPF 374) do sistema penitenciário brasileiro, determinando, inclusive, a realização de audiências de custódia. Na ADI 5.240 o tribunal reconheceu a validade da audiência de custódia também como mecanismo de evitar prisões ilegais e desnecessárias que só abarrotam o problema da superpopulação carcerária (mais de 650 mil detentos, 4 maior população carcerário do mundo)”

É reconhecido por diversas doutrinas a presunção da inocência no processo penal, sendo lastro inicial, bem como fundamental no ordenamento da esfera criminal:

“Mas, ainda que didaticamente se possa falar de princípios implícitos e explícitos, dois princípios podem ser considerados como os redutores e ponto de partida de todo o sistema processual penal: o estado de inocência e o devido processo legal. Em linhas gerais, todo cidadão é inocente, até que se prove o contrário. E, por isso, jamais poderá receber uma pena sem o devido processo legal. A partir dessas duas considerações fundamentais é que devemos construir todo o conjunto principiológico.”

“Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença que, condicionada por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender- -se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público.”

O caso de Lucas presente ao filme, cujo teve sua inocência corrompida, espancada, sendo acusado e considerado, ainda que moralmente, culpado por um crime que não cometeu pode ser facilmente lincado ao caso da americana AMANDA KNOX, cuja foi julgada pela corte italiana duas vezes e sendo absolvida duas vezes, entretanto, teve sua prisão decretada sem qualquer ônus probatório efetivamente válido, baseado em provas inconclusivas sob a acusação de matar uma colega de quarto.
Amanda foi duramente criticada e apontada como pervertida sexual pois seu DNA foi encontrado à cena do crime, que nada mais era que a casa que dividia coma vítima. O DNA de um acusado de outros processos criminais, mas que estava em liberdade foi encontrado justamente à cena do crime (quarto da vítima), mas mesmo assim Amanda e o namorado foram indiciados e a julgamento.
O caso durou cerca de 8 anos e somente após este lapso temporal foi que a acusada fora absolvida, juntamente com seu namorado.
As alegações do promotor italiano restringiam-se ao modo como Amanda reagiu diante da morte da amiga e de laudos mal feitos de uma cena de crime, onde não foram tomadas as medidas e cuidados que uma perícia deveria ter.
Outro caso também que pode ser facilmente comparado é o caso dos jovens acusados de um matar uma garota com um tiro na cabeça e disparar contra um carro com 08 pessoas depois de uma briga de balada em 2011 na cidade de Curitiba.
A defesa agiu brilhantemente apresentando todas as falhas do processo e da investigação que por sua vez não deixavam dúvidas quanto a inocência dos acusados.
O advogado de defesa ainda deliberou sobre as alterações e como nossa mente/memória age em situações de estresse extremo, ocupando lacunas vazias de traumas vividos, o que por sua vez corresponde ao alto índice de prisões indevidas e reconhecimentos falhos.
Se procurarmos as estatísticas dos casos em que pessoas são acusadas penalmente de crimes que não cometeram chegamos a um número extremamente devastador.
Em todos estes casos a atenção da mídia foi descomunal, os acusados foram expostos e “julgados” antes mesmo de um digno veredito.

Deixo portanto a citação doutrinária a este respeito:

“a presunção da inocência sofre drástica violação, pois a imagem do investigado é difundida como pessoa responsável pela infração penal, e, em vista disso, o desequilíbrio de posições que os sujeitos têm de suportar durante o período de exposição do caso pelos media transfigura os procedimentos seculares de apuração e punição”; e que “em semelhante situação sofrem o devido processo legal e a liberdade de imprensa e assim esta, que se apresenta como direito civil elementar em uma sociedade democrática, pode terminar produzindo em seu extremo aquilo que deveria evitar: um modelo autoritário de exercício de poder, em virtude do qual os procedimentos acabam tendo valor exclusivamente formal”. (Sistema Acusatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001)

Mas em um Estado onde a própria Carta Magna é diariamente achincalhada as poucas oportunidades em que alçamos ou nos vislumbramos com a justiça propriamente dita é um verdadeiro “milagre”.

Artigo escrito por Caio Matheus Guidio – Acadêmico de Direito 7º Período – FAE Centro Universitário.

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